Você prefere 4 clientes de R$50 mil ou 100 de R$2 mil?
Como a forma de ganhar dinheiro define a empresa que você vai precisar construir.
Certo dia, um VC me fez essa pergunta:
”Imagine dois fundadores. Ambos faturam R$200 mil por mês…”
Parecia uma pergunta simples.
Mas a cada vez que eu tentava responder, mais camadas se revelavam.
Porque o que torna essa pergunta interessante não é a resposta.
É o que ela revela sobre quem responde.
Por trás de cada escolha está um modelo mental. Uma forma de pensar o negócio, o cliente, a escala, o risco. A forma como um fundador responde essa pergunta diz mais sobre sua visão de futuro do que sobre a matemática do faturamento. É como um teste de Rorschach corporativo: o que você vê nessa pergunta diz muito sobre como você enxerga sua empresa.
Há quem prefira ter quatro clientes grandes — e sonhe com grandes contratos, que movem milhões.
Outros não hesitam em escolher os cem — encantados pela ideia de escala, com menos dependência de poucos clientes.
Ambos podem estar certos. Ambos podem estar errados.
Depende do que você está tentando construir. E de como lida com o que está escondido nessa escolha.
Do dilema à decisão: o que realmente está em jogo
A maioria dos empreendedores responde essa pergunta com base em preferência pessoal — não em decisão estratégica.
Mas quando você a destrincha com calma, percebe que o que está sendo colocado sobre a mesa é mais profundo do que uma questão de gosto. É um dilema entre duas arquiteturas de negócio:
Mas o mais importante: cada modelo exige uma empresa diferente.
Essa pergunta, aparentemente inocente, define a estrutura de produto, o tipo de marketing, o perfil do time de vendas, o desenho do customer success…
Ela define quem você precisa contratar, que tipo de cliente vai recusar e, em última instância, como sua empresa vai crescer — ou quebrar.
O risco invisível (mas inevitável) do churn
Toda empresa está sujeita a perder clientes.
Mas o efeito dessa perda varia radicalmente de acordo com o modelo adotado.
No caso dos 4 clientes de R$50 mil, tudo parece sólido. Você fatura alto, concentra energia, personaliza a entrega, conhece cada stakeholder pelo nome. Até que um dia, o telefone toca. O contrato não será renovado.
E de uma hora para outra, 25% da sua receita evapora. Sem aviso, sem tempo para reagir. O que antes era fortaleza vira fragilidade.
Esse é o churn concentrado: silencioso, mas catastrófico.
No outro extremo, os 100 clientes de R$2 mil. O faturamento pode até ser o mesmo, mas o risco se dilui. Perder um cliente é apenas uma notificação a mais no CRM. Não dói tanto. Não compromete a folha de pagamento.
Mas este também é outro tipo de veneno: o churn invisível que corrói pela base.
Ele não grita, não explode, mas vai gota a gota.
E sem um bom sistema de aquisição e retenção, você acorda um dia com 20% da base perdida nos últimos 3 meses.
Esse é o churn em erosão: constante, mas controlável — se você estiver preparado.
O ponto é: não existe modelo sem risco.
O que existe é o risco que você consegue gerenciar melhor.
E esse risco — não a receita — deveria ser o centro da sua escolha.
O modelo define a empresa
Você não constrói a mesma empresa para atender quatro grandes contas e cem pequenas.
E isso, por si só, já deveria ser um alerta.
O fato é que modelo de negócio molda tudo.
1. Se você tem poucos clientes grandes:
Você precisa de uma empresa orientada a relacionamento. Consultiva. Flexível. Com pessoas sêniores que saibam navegar em estruturas complexas e tomar decisões sob pressão. Seu produto pode ser semi-customizado. Seu marketing é baseado em reputação. Seu CS é quase um gestor de contas.
Mas tudo isso custa caro. E é frágil. Porque depende de gente. De tempo. De confiança.
2. Se você tem muitos clientes pequenos:
Você precisa de uma empresa orientada a processos. Automatizada. Escalável. Seu produto tem que ser intuitivo, autoexplicativo, com onboarding rápido. O suporte precisa ser mais tech-touch. Seu marketing é aquisição em massa. Seu CS é por cluster, não por nome.
Aqui, o custo marginal cai. A previsibilidade cresce. Mas a concorrência também é maior. E o menor erro pode escalar rápido — na velocidade de um post de instagram mal interpretado.
3. E se você tem os dois?
Se sua empresa atende grandes contratos e também clientes de volume, parabéns. Mas cuidado: isso exige duas engrenagens distintas rodando ao mesmo tempo.
O erro pode ocorrer na tentativa de operar os dois modelos com o mesmo time, o mesmos processos, o mesmo mindset.
“Mostre-me o seu cliente ideal, e eu te direi como sua empresa deveria ser construída.”
É simples. Mas exige coragem para escolher. Porque toda escolha vai exigir abrir mão de algo.
O crescimento exige ir em direção à granularidade
Existe um momento em que o dilema entre 4 ou 100 clientes deixa de ser apenas uma escolha — e se torna uma evolução natural da empresa.
Você começa com grandes contratos porque precisa de caixa, de validação, de provas sociais. E tudo bem. É como plantar árvores grandes para fazer sombra.
Mas quando o negócio cresce, e você precisa continuar crescendo, a lógica muda. Você percebe que o topo da pirâmide tem um limite.
É nesse ponto que a empresa precisa migrar para carteiras médias e pequenas.
Não porque é mais fácil — mas porque é inevitável.
Eu vivi isso na Clinicarx, logo no início da pandemia, quando abrimos a plataforma para além das grandes redes de farmácias. De um dia para o outro, saímos de um mercado-alvo com 24 grandes empresas para +80 mil possíveis clientes (a maioria pequenos independentes). Tivemos que mudar tudo. E erramos muito tentando.
Escalar é um processo de granularização. Você não cresce adicionando mais “tubarões”. Você cresce construindo um sistema que funcione para peixes menores — em cardume.
Empresas que crescem de forma saudável fazem esse movimento em camadas:
Do enterprise para o middle-market.
Do middle-market para PME.
De PME para o self-service.
Cada degrau exige uma nova forma de pensar produto, equipe, marketing, governança. Cada camada vai adicionando complexidade — mas também resiliência.
Quem entende isso cedo, escala com mais clareza. Quem resiste, acaba criando um monstro híbrido: caro demais para o pequeno, genérico demais para o grande.
E pode acabar morrendo no meio do caminho.
Sendo assim, como fazer isso do jeito certo?
O desafio da transição
Fazer essa transição é uma das coisas mais difíceis em qualquer empresa.
Não porque falte vontade — mas porque exige matar versões anteriores de si mesmo.
Você terá que abandonar o controle absoluto, automatizar decisões que antes tomava no olho, deixar de dar atenção pessoal a clientes antigos em nome da escala.
E isso dói.
E vai doer mais se você tentar manter os dois mundos no mesmo time, com os mesmos processos e a mesma cultura.
✳️ Algumas chaves para atravessar essa transição:
Segmentação de clientes: produtos, preços e jornadas diferentes para cada faixa.
Time dedicado por cluster: o vendedor enterprise não pode atender o SMB — e vice-versa.
Estrutura modular de produto: o que é simples por fora, pode ser complexo por dentro.
Cultura que aceita trade-offs: mais padronização, menos controle; mais automação, menos toque pessoal.
Essa é a hora em que você para de vender projetos e começa a construir sistemas.
Sistemas que funcionam sem você.
Sistemas que escalam com margem.
Sistemas que sobrevivem ao tempo.
A resposta certa é estratégica, não emocional
Voltemos à pergunta inicial:
Você prefere ter 4 clientes pagando R$50 mil cada, ou 100 clientes pagando R$2 mil?
Agora ela soa diferente, não é?
Porque você já entendeu que ela não é uma questão de gosto, nem de estilo de liderança. Ela é uma porta de entrada para perguntas maiores:
Qual é o risco que eu sei e posso administrar?
Qual é a arquitetura de empresa que estou disposto a construir?
Qual é o tipo de cliente que eu realmente entendo — e consigo servir em escala?
E principalmente: qual é a empresa que eu quero ver viva daqui a cinco anos?
Empreender é decidir o tempo todo.
Mas poucas decisões moldam tanto o futuro quanto a forma como você escolhe gerar receita.
No fim, a escolha entre poucos clientes grandes ou muitos clientes pequenos não define apenas seu faturamento.
Ela define sua cultura. Sua estrutura. Sua margem. Sua liberdade.
E talvez a pergunta mais importante não seja quantos clientes você quer ter.
Mas sim: quantos cancelamentos sua empresa aguenta antes de perder o rumo?